O quebra-cabeças da inflação

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Quando o presidente da Reserva Federal fala, o resto do mundo ouve. É uma inevitabilidade, tratando-se do banco central mais poderoso do mundo, cujas decisões têm um impacto significativo na economia mundial. Mas torna-se ainda mais relevante quando o processo para normalizar a política monetária chega a um ponto de inflexão e a sua estratégia se vê submetida a múltiplos fatores de pressão. A linguagem nesta situação de incerteza é mais importante que qualquer decisão para servir de guia e evitar surpresas.

A Fed tem uma missão: suster a expansão económica nos EUA, com um mercado laboral robusto e preços estáveis. E trata de fazê-lo evitando os erros que detonaram a última crise. A grande experiência que pôs em marcha o seu então presidente, Ben Bernanke, para resgatar o sistema financeiro entra agora numa nova fase em que a realidade e as expetativas participam num bailado de coreografia complexa.

Mas o processo de normalização está “preso”. A última vez que se mexeu no preço do dinheiro falava-se de quatro aumentos nos juros como os possíveis para chegar a uma posição neutral. Inclusive nesse cenário, estaríamos a dois pontos percentuais do nível prévio à recessão. Em janeiro verificou-se uma pausa e agora consideram-se mesmo duas reduções.

Terá o aumento em dezembro de 2018 um erro? A Fed responde que nesse momento a decisão justificava-se. Mas a incerteza global cresceu e a inflação nos EUA mantém-se abaixo do objetivo dos 2%. A debilidade dos preços é o que mais preocupa Jerome Powell, atual presidente da Fed. A economia vai razoavelmente bem e o mercado laboral é robusto, mas isso não se reflete na equação da inflação.

Os preços moveram-se boa parte do ano 2018 nos EUA muito perto do objetivo simétrico dos 2%. Mas começaram a contrair-se no primeiro trimestre de 2019. E, embora os últimos dados reflitam uma recuperação, esta é menor do esperado e desejado pela Fed. A tendência para o conjunto do exercício é que se movam em 1,7%.

Embora a missão da Fed seja que a sua política monetária beneficie os norte-americanos, também se guia pelos riscos no resto do mundo. Aqui encontra correntes cruzadas que podem força-la a mudar de estratégia. Os indicadores de crescimento questionam a solidez do crescimento global, a incerteza cresceu com a batalha com a China e, em paralelo, emergiu a tensão geopolítica com o Irão.

A baixa inflação é o grande quebra-cabeças dos bancos centrais mundiais. Enquanto a Fed levanta o pé do travão aos estímulos, o Banco Central Europeu revê o plano para desmontar as medidas de emergência que ativou após a crise da dívida soberana para evitar uma moderação do crescimento maior do que o esperado. Os efeitos da guerra comercial afetam a Europa mais que os EUA, especialmente a Alemanha.

A ansiedade lastra a confiança de empresas e investidores e a política que a Fed siga terá um efeito na economia latino-americana por duas vias_ os EUA são um dos grandes parceiros da região e dependem do seu ritmo de crescimento. E, depois, o efeito da política monetária no dólar e como se reflete no custo da dívida. A redução nos juros pode ter um impacto positivo na América Latina através de uma descida no preço do dólar e da própria redução dos juros dos bancos centrais latino-americanos, o que pode levar a um aumento do consumo e a uma redução da sua própria inflação.

A Fed e os outros bancos centrais mundiais tendem a guiar as suas economias domésticas, movendo os juros a curto prazo e comprando dívida. Assim conseguem, ao mesmo tempo, que os investidores procurem oportunidades noutros ativos de maior risco, o que explica que Wall Street tenha aplaudido quando Powell e Mario Draghi garantiram que iriam agir se a situação económica piorasse ou não melhorasse.

A baixa nos juros seria a forma da Fed de mostrar o seu compromisso firme, com o objetivo da inflação em mente. Não se trata apenas de dizer que uma inflação estável nos 2% seria favorável. Se esta se mantém muito baixa durante um período prolongado, o mesmo acontece com os juros neutros, deixando menos espaço de manobra, o que por sua vez obriga a recorrer a outras ferramentas para evitar a próxima recessão, que não só afetaria os EUA, como outras zonas do mundo, incluindo a Europa e a América Latina.

Sandro Pozzi é jornalista especializado em finanças e está colocado em Nova Iorque, onde cobre a Reserva Federal.

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